O ANACRONISMO DO MODELO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA
A questão da segurança pública no Estado brasileiro tem promovido recorrentes indagações a respeito da efetividade de funcionamento dos sistemas de justiça criminal e segurança pública.
A situação é tão grave que tem suscitado com bastante intensidade dentro do meio acadêmico e nos diversos espaços sociais, reflexões que no passado recente eram tidas como tabu. Estudos e pesquisas sobre temas variados relacionados com questões sobre violência e criminalidade, polícia e segurança pública já fazem parte da agenda universitária e de institutos de pesquisa.
Neste sentido, é quase unânime a percepção, dentro e fora do meio acadêmico, de que o atual modelo tradicional de justiça criminal e de segurança pública está esgotado, haja vista não existir, de forma organizada, sistematizada e consolidada uma política pública de segurança qualificada e consistente.
No caso brasileiro, o sistema estadual de segurança pública se caracteriza por um modelo de funções bipartidas atribuídas constitucionalmente a duas instituições: Polícia Militar e Polícia Civil. Ambas são complementares funcionalmente, porém antagônicas operacionalmente. Não possuem coordenação operacional, embora exista, em alguns estados, uma só secretaria que as unifique. Enfim, o Brasil “estadualiza” a segurança pública; como se cidadãos do norte não tivessem as mesmas necessidades de proteção que aqueles do sudeste ou do centro-oeste, ou os do sul merecessem maior atenção que os do nordeste. Tais divergências ficam evidentes na distribuição dos recursos da União para os estados e a aplicação que cada um deles faz desses recursos.
A Polícia Militar possui a atribuição e a missão constitucional de realizar atividades de preservação da ordem pública através de ações de polícia ostensiva. Nesse contexto a missão da Polícia Militar é essencialmente preventiva e a natureza da sua função é eminentemente caracterizada pelo exercício da Polícia Administrativa da Ordem Pública.
Por outro lado, a Polícia Civil possui a atribuição e a missão constitucional de realizar atividades de investigação criminal através de ações de polícia orientadas para a produção de provas (materialidade) e a identificação da autoria do crime ou contravenção. A missão da Polícia Civil é essencialmente repressiva e a natureza da sua função é caracterizada pelo exercício da Polícia Judiciária.
Talvez, no âmbito da cultura organizacional das instituições policiais brasileiras, considerando os efeitos perversos decorrentes de uma dimensão psicológica e social de natureza totalizadora, onde ocorre, com acentuada ênfase, a reprodução e a difusão de valores que oscilam entre a doutrina militarista e o academicismo jurídico, possamos encontrar alguns dos principais fatores internos às instituições policiais capazes de explicar a intensidade do fenômeno do medo e da insegurança.
A típica postura reativa da ação policial, verificada nas atividades preventiva ou repressiva, que irrompe nos variados cenários do cotidiano urbano, também constitui fator de incremento desse sentimento de medo e insegurança na dinâmica das relações sociais.
Por outro lado, tradicionalmente, a questão social que envolve a dinâmica da violência e da criminalidade, analisada sobre o prisma do funcionamento do sistema de justiça criminal brasileiro, é negligenciada na sua dimensão etiológica em relação ao fenômeno delituoso, privilegiando interpretações conservadoras e reacionárias, subscritas pelo modelo clássico de análise do acontecimento delituoso e de seu método de tratamento.
Ainda hoje persiste a crença, no imaginário social brasileiro, de que o efeito dissuasório destinado a prevenir o cometimento do crime está associado ao agravamento da pena, inclusive com algumas referências de opinião favoráveis a pena de morte. Outras referências atribuem ao mau funcionamento do sistema de justiça criminal a responsabilidade indireta pelo agravamento da violência e da criminalidade.
O fato concreto é que ambas as expectativas e perspectivas sociais são legitimadas pelo modelo jurídico-penal brasileiro, que confere, com destaque, ao endurecimento da pena privativa da liberdade, o “antídoto necessário para extirpar o mal da sociedade”.
Os efeitos dessa filosofia estão presentes, enraizados sob a forma de valores, em toda a sociedade brasileira, no ordenamento jurídico da nação, nas instituições públicas e privadas, nas comunidades, enfim na cultura social exteriorizada através das diversas dinâmicas interativas que constituem o universo das relações formais e informais, entre indivíduos e instituições.
São valores que se reproduzem na sociedade relacional brasileira desde o período da sua colonização até os dias atuais, sempre pautados por paradigmas comportamentais, inspirados num modelo muito peculiar de organização social, estruturada hierarquicamente em torno de suas contradições, desigualdades e desequilíbrios.
Destarte, uma proposta de mudança do atual modelo dicotômico para um mais moderno e integrado seria o plus para uma sociedade do terceiro milênio, ao invés do que se faz através da regressão medieval com o “endurecimento” dos discursos dos governantes e a criação de um verdadeiro “Estado policial”.
O viés desse falacioso discurso se verifica quando ouvimos: “mais presídios”, “mais armas”, “mais policiais”, “leis mais duras” e a recorrente defesa da “pena de morte”.
Ao contrário o caminho deveria ser o da agilização do processo judicial, a instituição do rito sumário para todos os delitos de menor poder ofensivo, a redução de prazos e da quantidade de recursos permitidos aos réus, a revogação de privilégios como o foro especial, a prerrogativa de função e a prisão especial e o incremento de políticas públicas de prevenção primárias (educação, saúde, saneamento, iluminação pública, etc) e secundárias(preparação policial, salários, equipagem policial, etc.) com primazia sobre as medidas de prevenção terciárias(presídios, penitenciárias, casas de detenção, população carcerária), medidas que geram resultados a médio e longo prazos.
A constatação que se faz, ao analisarmos o conjunto de normas que compõem o sistema legal do país, não é de falta ou de frouxidão das mesmas, mas de emperramento pelo excesso e superposição de leis, que tendem a provocar a famigerada “lentidão da justiça”.
Seria, sobretudo, a possibilidade de abandonar de forma definitiva o amadorismo no trato da segurança dos cidadãos, para o aperfeiçoamento e utilização das técnicas de gerenciamento do conflito no espaço público e para a implementação de novas estratégias, técnicas, métodos e modelos diferenciados de prevenção e repressão qualificada do delito.
Vivemos num mundo marcado pela produção vertiginosa de conhecimento e pelo progresso tecnológico. São muito rápidas as transformações. Bastaria lembrar a onda de oportunidades que chegou com a chamada sociedade da informação, cujo lócus mais visível está na internet, por onde transitam dia e noite as inovações como se não mais existissem os fusos horários.
A sociedade brasileira, através de seus diferenciados e singulares interlocutores, tem manifestado bastante preocupação com a crescente onda de violência e criminalidade que vem atormentando, a cada dia, indivíduos e coletividades inteiras que vivem o drama da insegurança, principalmente nas grandes regiões metropolitanas de nosso país. A sensação do medo, objetivo ou subjetivo, é a principal exteriorização desse sentimento de insegurança.
Os desequilíbrios sociais e a perspectiva do conflito sempre estiveram presentes no bojo da dinâmica social brasileira. Dentre os diversos campos do conhecimento e dinâmicas interativas, convém destacar três dimensões:
Os fatos que temos assistido recentemente ratificam esta linha de raciocínio, indo ao encontro de muitos pontos que foram destacados.
Quem sabe, persistindo no atual modelo e reforçando-o com medidas obsoletas, como estamos fazendo, não consigamos regredir à Idade Média?
A situação é tão grave que tem suscitado com bastante intensidade dentro do meio acadêmico e nos diversos espaços sociais, reflexões que no passado recente eram tidas como tabu. Estudos e pesquisas sobre temas variados relacionados com questões sobre violência e criminalidade, polícia e segurança pública já fazem parte da agenda universitária e de institutos de pesquisa.
Neste sentido, é quase unânime a percepção, dentro e fora do meio acadêmico, de que o atual modelo tradicional de justiça criminal e de segurança pública está esgotado, haja vista não existir, de forma organizada, sistematizada e consolidada uma política pública de segurança qualificada e consistente.
No caso brasileiro, o sistema estadual de segurança pública se caracteriza por um modelo de funções bipartidas atribuídas constitucionalmente a duas instituições: Polícia Militar e Polícia Civil. Ambas são complementares funcionalmente, porém antagônicas operacionalmente. Não possuem coordenação operacional, embora exista, em alguns estados, uma só secretaria que as unifique. Enfim, o Brasil “estadualiza” a segurança pública; como se cidadãos do norte não tivessem as mesmas necessidades de proteção que aqueles do sudeste ou do centro-oeste, ou os do sul merecessem maior atenção que os do nordeste. Tais divergências ficam evidentes na distribuição dos recursos da União para os estados e a aplicação que cada um deles faz desses recursos.
A Polícia Militar possui a atribuição e a missão constitucional de realizar atividades de preservação da ordem pública através de ações de polícia ostensiva. Nesse contexto a missão da Polícia Militar é essencialmente preventiva e a natureza da sua função é eminentemente caracterizada pelo exercício da Polícia Administrativa da Ordem Pública.
Por outro lado, a Polícia Civil possui a atribuição e a missão constitucional de realizar atividades de investigação criminal através de ações de polícia orientadas para a produção de provas (materialidade) e a identificação da autoria do crime ou contravenção. A missão da Polícia Civil é essencialmente repressiva e a natureza da sua função é caracterizada pelo exercício da Polícia Judiciária.
Talvez, no âmbito da cultura organizacional das instituições policiais brasileiras, considerando os efeitos perversos decorrentes de uma dimensão psicológica e social de natureza totalizadora, onde ocorre, com acentuada ênfase, a reprodução e a difusão de valores que oscilam entre a doutrina militarista e o academicismo jurídico, possamos encontrar alguns dos principais fatores internos às instituições policiais capazes de explicar a intensidade do fenômeno do medo e da insegurança.
A típica postura reativa da ação policial, verificada nas atividades preventiva ou repressiva, que irrompe nos variados cenários do cotidiano urbano, também constitui fator de incremento desse sentimento de medo e insegurança na dinâmica das relações sociais.
Por outro lado, tradicionalmente, a questão social que envolve a dinâmica da violência e da criminalidade, analisada sobre o prisma do funcionamento do sistema de justiça criminal brasileiro, é negligenciada na sua dimensão etiológica em relação ao fenômeno delituoso, privilegiando interpretações conservadoras e reacionárias, subscritas pelo modelo clássico de análise do acontecimento delituoso e de seu método de tratamento.
Ainda hoje persiste a crença, no imaginário social brasileiro, de que o efeito dissuasório destinado a prevenir o cometimento do crime está associado ao agravamento da pena, inclusive com algumas referências de opinião favoráveis a pena de morte. Outras referências atribuem ao mau funcionamento do sistema de justiça criminal a responsabilidade indireta pelo agravamento da violência e da criminalidade.
O fato concreto é que ambas as expectativas e perspectivas sociais são legitimadas pelo modelo jurídico-penal brasileiro, que confere, com destaque, ao endurecimento da pena privativa da liberdade, o “antídoto necessário para extirpar o mal da sociedade”.
Os efeitos dessa filosofia estão presentes, enraizados sob a forma de valores, em toda a sociedade brasileira, no ordenamento jurídico da nação, nas instituições públicas e privadas, nas comunidades, enfim na cultura social exteriorizada através das diversas dinâmicas interativas que constituem o universo das relações formais e informais, entre indivíduos e instituições.
São valores que se reproduzem na sociedade relacional brasileira desde o período da sua colonização até os dias atuais, sempre pautados por paradigmas comportamentais, inspirados num modelo muito peculiar de organização social, estruturada hierarquicamente em torno de suas contradições, desigualdades e desequilíbrios.
Destarte, uma proposta de mudança do atual modelo dicotômico para um mais moderno e integrado seria o plus para uma sociedade do terceiro milênio, ao invés do que se faz através da regressão medieval com o “endurecimento” dos discursos dos governantes e a criação de um verdadeiro “Estado policial”.
O viés desse falacioso discurso se verifica quando ouvimos: “mais presídios”, “mais armas”, “mais policiais”, “leis mais duras” e a recorrente defesa da “pena de morte”.
Ao contrário o caminho deveria ser o da agilização do processo judicial, a instituição do rito sumário para todos os delitos de menor poder ofensivo, a redução de prazos e da quantidade de recursos permitidos aos réus, a revogação de privilégios como o foro especial, a prerrogativa de função e a prisão especial e o incremento de políticas públicas de prevenção primárias (educação, saúde, saneamento, iluminação pública, etc) e secundárias(preparação policial, salários, equipagem policial, etc.) com primazia sobre as medidas de prevenção terciárias(presídios, penitenciárias, casas de detenção, população carcerária), medidas que geram resultados a médio e longo prazos.
A constatação que se faz, ao analisarmos o conjunto de normas que compõem o sistema legal do país, não é de falta ou de frouxidão das mesmas, mas de emperramento pelo excesso e superposição de leis, que tendem a provocar a famigerada “lentidão da justiça”.
Seria, sobretudo, a possibilidade de abandonar de forma definitiva o amadorismo no trato da segurança dos cidadãos, para o aperfeiçoamento e utilização das técnicas de gerenciamento do conflito no espaço público e para a implementação de novas estratégias, técnicas, métodos e modelos diferenciados de prevenção e repressão qualificada do delito.
Vivemos num mundo marcado pela produção vertiginosa de conhecimento e pelo progresso tecnológico. São muito rápidas as transformações. Bastaria lembrar a onda de oportunidades que chegou com a chamada sociedade da informação, cujo lócus mais visível está na internet, por onde transitam dia e noite as inovações como se não mais existissem os fusos horários.
A sociedade brasileira, através de seus diferenciados e singulares interlocutores, tem manifestado bastante preocupação com a crescente onda de violência e criminalidade que vem atormentando, a cada dia, indivíduos e coletividades inteiras que vivem o drama da insegurança, principalmente nas grandes regiões metropolitanas de nosso país. A sensação do medo, objetivo ou subjetivo, é a principal exteriorização desse sentimento de insegurança.
Os desequilíbrios sociais e a perspectiva do conflito sempre estiveram presentes no bojo da dinâmica social brasileira. Dentre os diversos campos do conhecimento e dinâmicas interativas, convém destacar três dimensões:
- A dimensão política, especificamente pautada pela ausência de políticas públicas de prevenção e repressão qualificada da violência e da criminalidade, catalisada pela urgente necessidade de reforma estrutural e funcional das instituições componentes do sistema de justiça criminal;
- A dimensão social, na perspectiva do esforço permanente de revitalização da sociedade, onde se destaca a inclusão pela educação, haja vista a inexistência atual, por parte do Estado, de ações, com conteúdo e forma, nesse mister, principalmente em espaços geográficos de notória exclusão social; e
- A dimensão cultural-organizacional, com enfoque centrado no esforço orientado para mudanças de atitude e ação dos órgãos públicos, instituições e pessoas encarregadas de fazer cumprir a Lei, somente obtidas através de profunda mudança estrutural, além é claro, do ensino policial.
Os fatos que temos assistido recentemente ratificam esta linha de raciocínio, indo ao encontro de muitos pontos que foram destacados.
Quem sabe, persistindo no atual modelo e reforçando-o com medidas obsoletas, como estamos fazendo, não consigamos regredir à Idade Média?
5 Comments:
Na verdade acho que esse post é a parte III do tema "Acumulação social da violência", que acabo de concluir a leitura.
Com muita qualidade você aborda a questão de maneira bastante clara, o problema é que poucos querem ver esse tipo de luz.
A propósito, de que adianta ter o terceiro maior contingente armado do país, perdendo somente para o Exército e para a Marinha, se não há um cérebro capaz de para fazer esse gigante andar. Estou falando de São Paulo, que hoje após os ataques terroristas que sofreu e está sofrendo, se entrincheira acuada, enquanto a sociedade está no desalento.
Abç
Salve, Alexandre,
vou guardar os artigos para ler com vagar.
Abs.
Olá Alexandre... Um resumo da entrevista de Bornhausen você encontra aqui neste link:
http://www.diegocasagrande.com.br/index.php?do=Wm14aGRtOXlKVE5FYldGdVkyaGxkR1Z6SlRJMmFXUWxNMFF4TVRZek1UUkxRUT09WnhQMko=
Há também no site do Deputado Aleluia a matéria completa, mas não consigo colocar aqui o link. Mas lá há também a opinião do líder da oposição, que você pode conferir neste link:
http://www.deputadoaleluia.com.br/asp/popupNoticia.asp?idNoticia=26031
Consegui pegar o link para a coluna de Cantanhêde em que "conversa" com Bornhausen. Tá aqui:
http://www.deputadoaleluia.com.br/asp/popupNoticia.asp?idNoticia=26018
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