22 maio 2006

WELFARE STATE OU WORKFARE STATE ?

A redução do Estado social-econômico, aquele ente que exerce o papel do “grande provedor” de serviços para a população, como redistribuidor da renda através de políticas públicas abrangentes e inclusivas, é renegado pelos liberais a partir da formulação do conceito de “estado mínimo” , ou seja, menos Estado nas relações entre os indivíduos ou grupos.

No modelo liberal, o governo não interfere na produção de bens e serviços, cabendo tal atribuição ao mercado, a competição é estimulada e o controle estatal restringe-se a mediação, via regulação e vigilância, dessas relações entre os grupos ou entre indivíduos. Os serviços, em sua maioria, são concedidos ao mercado, e este regula as inclusões e, obviamente, os “despossuídos” financeiramente estão excluídos da rede de proteção social.

Essa é uma lógica maximizadora, fazer mais com menor custo, entretanto socialistas e comunistas repudiam essa lógica a partir de uma alegada contradição contida nela mesma: como supor que todos possam maximizar-se sem que haja utilidade de um bem produzido por um em relação ao produzido por outro? Como poderia um empresário, digamos, um industrial, aumentar sua produção, suas vendas, sem a utilização de uma mão de obra qualificada, competente e bem remunerada? Será viável supor que ele poderia maximizar-se reduzindo salários ou demitindo funcionários? Assim sendo, para a “esquerda”, ela não resiste a uma observação empírica nesse mister.

Entretanto o seu oposto - o “mais Estado” - é tão nocivo quanto um Estado meramente judicial e policial, principalmente em países de pouca tradição democrática ou que possuam governantes demagogos e populistas, quando transformam este Estado num voraz devorador de impostos sem a contrapartida da prestação de serviços para a população.

Uma crítica que emerge do estudo do conceito de proteção pelo “estado mínimo” é que sua única dimensão redistributiva refere-se a produção de serviços judiciários e policiais para os cidadãos. Esta seria a única atividade onde, caso lançada ao mercado, uma competição traria efeitos devastadores. Sendo assim, admite-se o monopólio do uso da força por êle; contudo poder-se-ia supor que outras atividades com as mesmas características pudessem também pertencer ao governo, mas seu criador, Robert Nozick, não admite tal possibilidade.

A redução do estado social e econômico, nessa lógica pregada por Robert Nozick, traz em contrapartida um “mais estado” policial e penitenciário, através da criminação de condutas e da incriminação cada vez maior de indivíduos, pela criminalização da miséria e pela imposição do trabalho assalariado precário e sub-remunerado como forma de inclusão econômica. Essas medidas tornam-se catastróficas em países de pouca tradição democrática ou sem ela, onde seus efeitos tendem à vertente da violência e do desrespeito aos direitos humanos, uma discriminação econômica.

Loïc Wacquant ('As prisões da miséria', 2001)descreve a “febre neo-liberal” nos EUA e em diversos países europeus, bem como a difusão de uma política pública característica do “estado mínimo” : o programa “Tolerância Zero” da cidade de New York. A propósito da redução do Estado Social e conseqüente aumento do Estado Penal, diz:

“Pois à atrofia deliberada do Estado Social corresponde a hipertrofia diatópica do Estado Penal: a miséria e a extinção de um têm como contrapartida direta e necessária a grandeza e a prosperidade insolente do outro.” (p. 80)



Se Nozick sugere que o próprio mercado solucione os problemas decorrentes dos conflitos entre indivíduos ou grupos, através da competição, das associações espontâneas, das pressões de mercado, da maximização do trabalho e do auto-interesse racional, independentemente da ação estatal, cabe então questionar: para que Estado ?
Entretanto ao defender o “estado mínimo”, Nozick estabelece as fronteiras da ação estatal: tais limites situam-se no que as pessoas podem ou não podem fazer umas às outras; essa rede de proteção universal e não diferenciada, dirigida sem distinção a todas as pessoas, inclusive àquelas que não pagaram por ela é o que ele chama “estado mínimo”.

Ocorre que num regime de mercado não interessa prestar um serviço e, diga-se de passagem - um serviço caro, a quem não pode pagar; assim é imperioso que se imponha o trabalho assalariado aos miseráveis, para que sejam “incluídos” na rede de proteção e, através do monopólio do uso da força, criminalize-se a miséria. São os princípios do “Éden Liberal” que se materializaram sob a batuta de Rudolph Giuliani em New York.

Nada mais lógico, uma vez que o “Tolerância Zero” é o complemento policial indispensável do encarceramento em massa.


Acrescente-se um “tempero vil” a essa receita: a privatização do sistema penitenciário. A lógica da “produtividade” tangenciando uma tênue barreira com a “escravização”.

É o que ocorre quando construir e administrar prisões se transforma em “business”.


A substituição do welfare state por um workfare state , a redução do Estado Social a um Estado Penal (ou Estado Mínimo), a imposição do trabalho assalariado precário e a criminalização da miséria são as críticas que se evidenciam na abordagem da redução pura e simples do Estado, minimizando seu alcance tão somente a prestação dos serviços judiciários e policiais.


O pressuposto para tal adoção seria a de que existisse um mercado fortalecido pela inclusão da maioria da população, para que os cidadãos pudessem pagar pelos demais serviços que não são prestados pelo Estado, a exemplo da saúde e da educação.

No Brasil, há décadas, arraigou-se no ideário da sociedade o conceito de que “o Governo é um mau empresário”, ou seja, algumas empresas públicas, por conta de nomeações políticas para a ocupação de postos-chave, tornaram-se deficitárias por se transformarem em “cabides de emprego”. E o que aconteceu? Abriu-se caminho para o liberalismo, as privatizações, o “menos Estado” ou “Estado mínimo”, quando o problema não estava no fato da empresa ser pública ou privada, mas na incompetência funcional de quem a dirigia.

O que se vê agora é o inverso: um Governo(?) que prega o “mais Estado”, mas permanece restrito a retórica, pois adota a mesma política econômica do regime que alegava ser “neo-liberal”, maximizando as nomeações políticas numa espécie de “faça o que digo, mas não faça o que faço”.

Talvez, na lógica enviesada deste Governo(?), “mais Estado” signifique “mais nomeações no Estado”, ou será que a “esquerda” conseguiu reinventar a roda?

De um só golpe teria conseguido maximizar a abrangência de serviços inerentes ao Estado e promovido a propalada “justiça social”.

Este poderia ser o seu discurso, mas o que se vê, após mais de 40 meses, está em total disjunção desta retórica.


Por outro lado temos que abandonar o pieguismo de querer copiar modelos prontos achando que ali estará a solução de todos os problemas. O pior é que diante de uma catástrofe sempre aparecem “falsos profetas” que trombeteiam tais paradigmas com autoridade de um autêntico especialista no assunto.
Coisas do tipo: “Operação Mãos Limpas”, “Lei italiana de bloqueio de bens” ou o tal “Tolerância Zero”, nos moldes que foi aplicado (e já modificado e descartado) na cidade de New York na gestão do Prefeito Rudolph Giuliani.

Naquela época muitos países europeus tentaram copiá-lo e colheram retumbantes fracassos – dentre estes o Reino Unido, a Alemanha, a França e os Países Baixos.

Num país como o Brasil, com suas dimensões continentais, modelos de políticas públicas obtêm resultados díspares até mesmo entre as suas regiões – o que vale para o norte pode não ser adequado para o centro-oeste, ou para o sudeste, simultaneamente - então, o que dizer de um “modelo importado”?


Sobre a “privatização do sistema carcerário”, outro modelo norte-americano que já propuseram para o nosso país alguns desses “especialistas de ocasião”, têm que serem avaliadas cuidadosamente diversas variáveis que distanciam a cultura anglo-saxônica da nossa.

Mas isso é matéria para um outro debate.


11 Comments:

Blogger Andre Senna Duarte said...

maravilha de blog. Muito bom o artigo sobre o workfare state. Vamos trocar links?
abraços

6:07 PM  
Blogger Kafé Roceiro said...

Caro Alexandre,
acho que tocou numa ferida aberta! O que mais me encabula quando temos uma crise, são esses analistas políticos fazerem comparações de Brasil com qualquer país de primeiro mundo.
Primeiro mundo por que lá eles têm o Estado Mínimo, lá eles têm leis penais fortes. Já aqui não basta fazer o que se fez nesse ou naquele país, primeiro temos que perceber que nem Estado Mínimo nós temos e segundo nossas leis são ineficazes, portanto não há o que se comparar.
Como implantar o "Tolerância Zero" aqui, sem um novo Código Penal, sem uma assistência minima da sociedade para com o indivíduo.
Pô, cê sabe que eu fico até tonto? Porque é tão complexo... Não é receita de bolo. O buraco é mais embaixo. Vou parar de falar.Mas há muito pra ser dito. Essa privatização das penitenciárias, tenho um pouco de receio...Mas...
abraço,
Kafé.

6:42 PM  
Anonymous Anônimo said...

Olá Alexandre: como sempre seus textos são bem elaborados, bom seria se todos tivessem a paciência de ler tudo. Postei algo diferente sobre o "mórbida semelhança", gostaria que desse uma olhada lá. :-) Bjs

8:14 PM  
Blogger Moita said...

Alexandre

Estive no interior do meu Estado e comentando com meu cunhado que hoje o Delúbio Soares iria depor na cpi, um morador local que nos ouvia perguntou: quem é esse Delúbio que o senhor ta falando?.

Esse é o Brasil que precisa, primeiro, resolver esses problemas pra poder encarar o seu tão bem elaborado artigo.

A ignorância desse país é grande demais.

Um Braço

11:28 AM  
Blogger Alexandre, The Great said...

Moita.
Até vc conseguir explicar que se trata do "nosso"(?)Delúbio, já haverá transcorrido o pleito eleitoral. Por esta razão, além das que são óbvias demais, é que se tem que atribuir parcela de responsabilidade aos órgãos de comunicação social.
É inadmissível que em plena "era da informação" a mídia seja tão omissa e conivente como se demonstra até agora.

Grande abraço,

1:21 PM  
Blogger Rose said...

Alexandre,

Quando o Estado interfere, leia-se atrapalha.

Se não interferisse tanto, ajudaria muito.

abraços

4:04 PM  
Anonymous Anônimo said...

Olá Alexandre! O que vc acha disso? Venezuela doa para Bolívia $8,3 milhões de dólares... O que estará por trás de tão nobre gesto? Postei agora. :-) Bjs

9:46 PM  
Blogger Da C.I.A. said...

Alexandre, excelente e detalhada análise. De fato, o primeiro problema brasileiro não é escolhermos um modelo de Estado Mínimo ou um Estado-mãe, não é puramente filosofia político-econômica. Precisamos antes de mais nada botar para funcionar nossas instituições. Você veja estes conflitos entre Judiciário e Legislativo, a subserviência do Judiciário frente ao executivo, a lentidão da aplicação de penas e os muitos meios de cometer crimes e não ser punidos mostram que o estamos muito longe de sermos uma democracia plenamente instituída e funcional

11:00 PM  
Blogger Unknown said...

Alexandre,

Pelo que temos visto, estamos cercados de criminosos por todos os lados, nenhum regime, nenhum modelo, nada dará certo enquanto o povo brasileiro não mudar de atitude.

As mudanças tem que ser de dentro para fora, cada um de nós é responsavel pelo futuro de todos.

11:09 PM  
Anonymous Anônimo said...

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3:07 PM  
Anonymous Anônimo said...

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4:44 AM  

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