VIOLÊNCIA DO ESTADO
O tema violência é um segmento do campo da ordem humana; pensadores gregos do século V a.C. analisavam o fenômeno, questionando a sua origem natural.
Até então a ordem social advinha dos Deuses, cabendo aos sacerdotes e pitonisas a interpretação das leis divinas e sua transmissão ao povo.
Sólon e Clístenes propõem uma nova forma de organização da cidade – Atenas – baseada na isonomia dos cidadãos, ou seja, cada cidadão representando um voto e a Ágora como a assembléia de todos os cidadãos.
Naquele local a ordem era anunciada após profunda análise dos fatos sociais pelos cidadãos eleitos; dessa forma evoluiu a cidade na construção da ordem social, deixando de ser um fenômeno da natureza, a qual advinha dos Deuses e chegava aos homens através dos sacerdotes e pitonisas, passando a ser estabelecida pelos próprios cidadãos.
Ocorre que Atenas, ainda incipiente como cidade, excluía as mulheres, os escravos, os jovens e os estrangeiros (não naturais), do conceito de cidadão. Tão somente aqueles que tinham mais de 30 anos e eram proprietários de terras poderiam concorrer aos cargos eletivos - era uma sociedade aristocrática.
Platão, discípulo de Sócrates, passa vê com horror essa sociedade onde outros pensadores, além dos filósofos, podem vir a estabelecer a ordem na sociedade; como por exemplo os sofistas, através da sua retórica e persuasão.
Assim ocorreu quando esta sociedade, na cidade de Atenas, condenou à morte seu mestre Sócrates; logo ele – o mais sábio – que deveria possuir todo o poder por deter o conhecimento é sacrificado, condenado a beber veneno. Para Platão o controle social – a ordem – e o poder de estabelecer suas regras deveriam estar nas mãos dos reis-filósofos; a ignorância, esta sim, deveria ser eliminada e junto com ela o livre pensamento. Para tanto a educação deveria ser estatal e seu objetivo seria de evitar que os membros daquela sociedade assimilassem outra cultura.
Na sociedade de Platão não havia espaço para os poetas, pois estes contavam a história e falavam de outras civilizações.
Aristóteles vê a sociedade como uma totalidade complexa, um leque de variedades sociais, culturais, éticas, valores... que se mantém unida porque seus integrantes – os homens – são seres gregários e essa variedade é conectada pela política.
Tentou mostrar a sociedade pelas suas agregações e a primeira delas é a família, seguindo-se a reunião de famílias até evoluir para o Estado ou Politeia, este entendido como o conjunto de pessoas que vivem sob a mesma ordem, a mesma lei.
O pior dos mundos para o filósofo grego era aquele que reunisse um poder político concentrado e uma ética social insolidária, dissolvida - chamar-se-ia Tirania ou Despotismo - um Estado onde a supressão do social é tão intensa que o povo torna-se um somatório de indivíduos medrosos (qualquer paralelismo não será mera coincidência).
A História mostraria, séculos mais tarde no Holocausto dos judeus pelo nazismo, um mundo bem mais horrível que este imaginado por Aristóteles, um mundo onde o poder não só subjuga uma etnia para tirar proveito próprio, mas para de forma sistemática e planejada, exterminá-la através da eliminação física em massa de seus integrantes.
A democracia direta de Atenas evolui até a democracia indireta na atualidade, passando, contudo, por várias etapas que foram interpretadas e pesquisadas por filósofos e pensadores ao longo dos séculos.
Nicolau Maquiavel em “O Príncipe” prega como o poder se sustenta no emprego proporcional da força e da astúcia, embora possa não ter sido seu objetivo prioritário, ensina ao soberano como se preservar no poder e como levar a bom termo uma conspiração. Relata suas experiências de vida política na cidade, onde o “mal” é mais significativo e real do que o “bem”; contrapõe-se à teoria de Aristóteles para quem a vida humana podia ser estruturada como uma hierarquia entre bens e fins.
Foi o primeiro dos mestres da suspeita, retirando a máscara da inocência e trazendo a reflexão do mundo para a visão clara do realismo. Na cidade de Maquiavel o povo é bom, inocente, mas por um viés negativo, ou seja, seu desejo é não sofrer a opressão imposta pelos “poderosos”, pelos dominadores. É justamente neste ponto que “O Príncipe” ensina ao soberano a dosar o uso da força e da astúcia a fim de perpetuar-se no poder.
"Não provoque seu inimigo, mas se tiver uma chance real de sobrepujá-lo empregue toda sua força e mate-o."
Maquiavel não acredita que humanos sejam animais políticos; humanos são egoístas e só se aproximam de outros para obter vantagens, seja isoladamente ou em grupo. No mundo de Maquiavel a ética não é fundamental, o que causaria horror a Aristóteles, e o espaço humano é de predação.
Conforme sua lógica nenhum poder político é estável por natureza e a busca pela estabilidade é uma constante. Contesta os Estados controlados pela Igreja pois estes governam da mesma forma que os demais – não religiosos, ou seja: usam a força, a guerra, a mentira, a astúcia. Daí entendermos sua teoria como realista.
A partir do século XVII, quando a doutrina política de Thomas Hobbes surge no “Leviatã” (1651), o governo, através da monarquia absolutista, representa a garantia da vida para os homens. Para tanto parte de duas perguntas para essa conclusão:
1. Quem somos nós?
· somos seres egoístas, nos afastamos da dor e do sofrimento e buscamos o prazer;
· o prazer – representado por coisas e pessoas – não pode ser ilimitado, pois só pode ser obtido no convívio comum;
· logo a vida social é restritiva pois o prazer não é ilimitado.
2. Que mundo é esse? Onde estamos?
. é o mundo da escassez, sempre faltam os objetos do prazer;
. predominam os conflitos pela busca do prazer, o qual não está disponível para todos;
. o homem é o lobo do homem.
Para Hobbes, se não houvesse governo, nem leis, cada um poderia valer-se de qualquer meio para obter seu prazer. Muitas mortes violentas ocorreriam cotidianamente por conta disso, portanto reforça sua doutrina de governo como forma de preservação da vida.
Quando uma comunidade consagra um conjunto de normas que venham a limitar os meios tem-se o princípio de ordem e direito , conseqüentemente aumenta-se a preservação da vida.
Justamente o medo da morte violenta, da qual pode ser vítima pela busca do prazer de outro indivíduo ou grupo, leva o homem a estabelecer um governo, um conjunto de normas sociais restritivas e limitadoras, que lhe preserve a vida.
Assim ergue-se o “Leviatã”, posto que o homem no seu estado de natureza não teria limites para afastar de si a dor e o sofrimento e buscar sempre o prazer.
No final do século XVII, John Locke atenua a teoria de Hobbes e diz que o Estado é nosso “funcionário”. Tem de preservar nossa vida, nossa liberdade e nossos bens (propriedade), se não o fizer devemos derrotá-lo pela revolução. Vale dizer, o poder tem limites.
Suas idéias partem de três princípios:
1. nenhum governo dispõe de informações totais da sociedade;
2. todo governo tem que definir prioridades, pois não pode atender simultaneamente a todos;
3. qualquer definição de prioridade é de arbítrio do governo, portanto pressupõe uma relação de não prioridades e sofrem, conseqüentemente, questionamentos: “o governo fez isso, mas poderia fazer aquilo...”
A característica do liberalismo político de Locke é a capacidade de restrição do poder político. É diferente portanto do liberalismo econômico, que representa um mundo aberto aos negócios.
O liberalismo político adentra o século XX onde se destaca Max Weber e sua teoria da política como vocação humana. O Estado é o agente que detém o monopólio do uso da força física num determinado território. Nas sociedades, segundo sua lógica, existe objetividade, representada por um esforço compartilhado; sua teoria política é descritiva e prescritiva. As idéias do É (descrição) e do DEVER SER (prescrição) não são separadas, mas interdependentes. Só tendo a idéia de como DEVE SER é que posso definir como É – referindo-se a ordem política numa sociedade.
Sinteticamente podemos estabelecer alguns conceitos úteis para uma reflexão :
1. Ordem – conjunto de normas sociais, conhecidas e aceitas, que regulam uma sociedade.
2. Previsibilidade – característica inerente ao povo em relação ao poder ao qual está submetido. É um conceito fortemente vinculado ao de ordem.
3. Violência – a exacerbação do uso da força, inerente ao Estado, sobre o povo.
(continua...)
7 Comments:
Excelente Alexandre! Vou repassar o texto para uma amiga que está pesquisando esse tema no mestrado. Bjs e parabéns!!
Fique à vontade, Santa.
Mas ainda falta outra parte da palestra, extraída realmente da minha tese de Mestrado, que publicarei oportunamente.
Beijo,
Alexandre, impressionante a sua análise (1ª parte)..estou aguardando a 2ª com ansiedade.
Aliás o que não falta ao desgovernado Lula é o maquiavelismo dos fins (inconfessáveis) não importando os meios.
Um grande abraço
brilhante análise. Sem dúvida um assunto eternamente atual. è realmente um indício de que possamos caminhar para um estado hobbesiano dependendo dos fatores.
grande abraço
Alexandre, obrigada.
Seu poder de síntese aliado à profundidade e á clareza do texto são exemplares.
Um verdadeiro curso sobre o Estado disfarçado em post.
Eu tenho um orgulho imenso de ser sua amiga.
beijos admirados
Qualquer comentário seria retundância.
Q bela síntese e uma AULA fantástica....
Voltarei para a continuação prometida.
Muito prazer em conhecê-lo,
Sonia SSRJ
simplesmente um texto maravilhoso que me foi muito util e de extrema importancia literaria..
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