13 fevereiro 2006

DO SOCIALISMO AO DESPOTISMO - PARTE V

O DIREITO DO ESTADO – A ORDEM ESTIGMATIZADA

A ordem social pressupõe a aceitação da dominação, para tanto o cidadão comum tem que estar livre da ameaça de morte violenta. Deve existir previsibilidade nas ações do dominador, sob pena, como ocorre nos governos tirânicos, de não haver ordem mas tão somente uma dominação pelo terror em face da imprevisibilidade cognitiva do povo à vontade do tirano.
A obra de Primo Levi (um sobrevivente do Holocausto) mostra a forma mais horrenda, cruel e única na história do homem onde a dominação pelo puro terror abate-se sobre determinados grupos étnicos e religiosos durante a II Guerra Mundial.
“É isto um homem?” narra esse aniquilamento humano o qual, antes de representar uma morte física, representa a morte da alma humana. O despojamento gradual e sucessivo de todos os valores até o limite onde a morte física pode vir a representar um bálsamo para a morte da alma, face seu regime de total submissão à violência e imprevisibilidade. O “campo” é o lugar onde tudo é proibido, inclusive ter memória e recorrer a ela.
O despojamento da personalidade humana, encontrado em diversos capítulos da narrativa, pode ser bem exemplificado quando o autor analisa os efeitos da submissão total ao sofrimento que se abateu sobre seu companheiro Null Achtzehm :
Quando fala, quando olha, dá a impressão de estar inteiramente oco, nada mais do que um invólucro, como certos despojos de insetos que encontramos na beira dos pântanos, ligados por um fio às pedras e balançados ao vento.
A reação de Null Achtzehm (um companheiro de infortúnio do autor) pode ser interpretada e analisada segundo as teorias de dois autores – Hobbes e Freud.
Segundo Hobbes o homem está sempre em busca do prazer e esta é a razão de sua vida, pelo aspecto positivo da ótica hobbesiana.
Deus criou o homem para ser feliz.
Assim sendo, paralelamente a essa busca, habita dentro de si o repúdio e a fuga à dor e ao sofrimento.
E o que ocorre com o homem quando, submetido ao sofrimento extremo e a dor, não encontra uma “porta de saída” ?
Segundo Freud ( 1930, p. 142 ):


Contra o sofrimento que pode advir dos relacionamentos humanos, a defesa mais imediata é o isolamento voluntário, o manter-se à distância das outras pessoas.


O “afastamento” de Null na narrativa não é físico, é do ego. É um isolamento em si mesmo, como defesa contra um “exterior” totalmente hostil.
Falar em ordem humana nesse contexto é como se tratássemos apenas de um dos mundos – o dos militares alemães: para estes havia uma ordem – a qual conheciam suas regras e dentro dela estavam estruturados, o III Reich. Para os demais personagens, não pertencentes a este mundo, sobretudo os judeus, não havia sintonia com uma ordem. A tônica era a imprevisibilidade e a extrema violência moral e física imposta pela “ordem alemã”. Contudo este outro mundo, dos “muçulmanos” e “haftling” , consegue estabelecer regras de sobrevivência e criar uma “ordem interna”, estigmatizada é claro, onde “comer”, “furtar”, “dissimular” e “dissuadir” são valores cultivados e quando bem empregados geram uma expectativa de sobrevida àqueles que o conseguem.
A “Bolsa de Negócios” com pão e sopa e o comércio com os trabalhadores externos são exemplos dessa “ordem estigmatizada” ; o contraponto à ordem hedionda dos alemães, garantindo a sobrevivência num estado de extrema degradação humana, onde os princípios fundamentais de sociedade inexistem e valores individuais são sucessiva e violentamente violados, gerando reações entendidas como minimizadoras de seus efeitos.
Nenhum outro regime político, em toda a história do homem, compara-se ao Holocausto pois nenhum tirano, ou monarca despótico, pretendeu eliminar todos os seus súditos. Nos “campos” o poder tem como objetivo a morte, anonadar uma etnia; os que porventura sobrevivem são considerados “falhas do sistema”, este elaborado para eliminação em massa, onde suas vítimas foram condenadas não pelo que fizeram, mas pelo que eram.
A concentração total dos recursos de retaliação e a ausência de normas comuns impostas pelos representantes do Estado, ou seja, as leis são válidas para os “outros”, não para “nós”; valem para “todos” os que sejam contrários a “nossa ordem”, traidores internos dessa “nossa ordem” são sumariamente executados, como o Furher fez inúmeras vezes; remetem nossa atual situação política a um paralelismo com àquela iniciada por um líder populista alemão, eleito pelo voto direto. Estaria isso ocorrendo em nosso país? Os exemplos são diários. Alguém duvida? A questão não está fechada, mas encerro neste post o módulo.

(Espaço aberto para discussão...)

13 Comments:

Blogger Saramar said...

Alexandre, isso é assustador. Realmente, há semelhanças entre o que vivemos e esse horror promovidos pelos nazistas no que se refere à observância das leis.
E há também, o mesmo ambiente de omissão e aceitação dos crimes cometidos pelos detentores do poder.
Onde chegaremos? Temo pelo futuro se esses vândalos continuarem mandando no país.

Obrigada

Beijos
P.S. a obra de Levi a que se refere é "A tregua"?

2:48 PM  
Blogger Alexandre, The Great said...

Saramar. Levi, Primo escreveu "É isto um homem?" para descrever todo horror que vivenciou no "campo". Esta é a obra de referência.
um beijo,

3:37 PM  
Blogger Moita said...

Alexandre

Por enquanto eu ainda estou de pé, na primeira fila, aplaudindo o palestrante.

É difícil "discutir" um tema, abordado com tanto brilhantismo e tanta lógica. Nos cabe mais concordar de pronto.

E o mais difícil, é que o exposto, carrega as nossas crenças de algum tempo já. Ou seja, eu também acredito nisso tudo que você falou, já há algum tempo.

Mas não acredito que o Brasil esteja passando por situação digamos, extremamente, semelhante a esses tipos de dominações aventados.

O que temos, me parece, é uma falta de ordem administrativa com objetivos claramente estabelecidos como política de Estado, e com uma ordem jurídica que não nos respeita e não nos protege.

Parabéns e um abraço do amigo Moita.

7:16 PM  
Blogger Santa said...

Alexandre, rendo-me aos seus pés. Excelente. Continuo imprimindo e lendo. Vc tem o texto completo publicado??
Bjs

7:59 PM  
Blogger Alexandre, The Great said...

MOITA.
Conforme descrevo na parte final do texto existem duas variáveis que aproximam a situação atual daquela do III Reich - a concentração total dos recursos de retaliação e a ausência de normas comuns impostas pelos representantes do Estado. Claro que não pretendi comparar aquele HORROR com a nossa atual situação, ainda...

SANTA.
Eu produzi o texto integralmente, mas o particionei na hora de salvar na pasta, apenas por uma questão de organização(uma de minhas MANIAS... rssss).
Se vc quiser, diga e eu enviarei por mail, tudo bem?

bjs,

8:36 PM  
Blogger Ozéas said...

Feiz em ter mais um tricolor na minha lista de Blogs recomendados.
Na verade, acho que na lista só tem você, mas um tricolor é a diferença.
Abç

11:38 PM  
Blogger Camarada Arcanjo said...

A nossa sorte é que o "projeto" não foi implantado completamente, e o Bob Jeff chutou o balde, antes do tempo.
Não fosse a sorte, teríamos agora um código leonino para armas pessoais, um controle externo do judiciário por um sindicato, o mesmo para os jornalistas, o MST armado, os líderes sindicais armados...

1:43 PM  
Blogger Alexandre, The Great said...

Camarada Arcanjo.
Complementando seu comment: ...e uma "classe média" pagadora de tributos e refém do "regime".

Obrigado por suas brilhantes intervenções durante o "cursinho".

5:51 PM  
Blogger Nat said...

Alexandre,

Batendo o ponto por aqui para ganhar o diploma (risos). Prometo voltar para comentar no final de semana (ahhhh somos escravos do tempo, não???)

Grande abraço!

10:21 PM  
Blogger Moita said...

Alexandre

Veja só;

o camarada Arcanjo percebe, como voce tambem, que o plano não chegou ao final pretendido.

Eu fiz uma sextilha no dia que Lula ganhou a eleição, sem sacanagem, parece premonição, ou os esquerdistas são, de fato, previsíveis.

Veja o que eles tentaram, depois da minha sextilha.

OS CAMINHOS DA ESQUERDA

É sempre o mesmo caminho
que a esquerda tem sucesso.
Primeiro cala a imprensa
e começa o retrocesso.
Desarma a população
e depois fecha o Congresso.

Com tudo isso fechado,
o roubo trás o progresso.

tentaram tudo isso: Ancinav, aqui o congresso parou. Desarmamento, aqui o povo parou. Senão......

Prarabéns a ao camarada Arcanjo e você.
abraços

11:41 PM  
Blogger Soube said...

- Soube?
- Do quê?
- Em relação à situação atual você conseguiu sintetizar bem na seguinte frase:

"A concentração total dos recursos de retaliação e a ausência de normas comuns impostas pelos representantes do Estado"

- É!
- A diferença de tratamento entre membros da sociedade é aviltante.
- É!
- O estado não está mais servindo a sociedade e sim a um grupo que ocupa temporariamente o governo.
- É!

11:59 PM  
Anonymous Anônimo said...

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