“A redução do Estado Social e a
Política Pública – Tolerância Zero”
A redução do Estado
social-econômico, a entidade que exerce o papel do “grande provedor” de
serviços para a população, como redistribuidor da renda através de políticas
públicas abrangentes e inclusivas, é rechaçada pelos neo-liberais através da
formulação do conceito de “estado mínimo” , ou seja, menos estado nas relações
entre os indivíduos ou grupos. O estado não interfere na produção de bens e
serviços, cabendo tal atribuição ao mercado, a competição é estimulada e o
controle estatal restringe-se a mediação, via regulação e vigilância, dessas
relações entre os grupos ou entre indivíduos. Os serviços são concedidos ao
mercado, este regula as inclusões e, obviamente, os “despossuídos” financeiramente estão excluídos da rede de proteção
social. A lógica de Nozick é maximizadora, fazer mais com menor custo,
entretanto podemos criticar essa lógica a partir da contradição contida
nela mesma: como supor que todos possam maximizarem-se sem que haja utilidade
de um bem produzido por um em relação ao produzido por outro? Como um
empresário, digamos, um industrial, poderá aumentar sua produção, suas vendas,
sem a utilização de uma mão de obra qualificada, competente e bem remunerada?
Será viável supor que ele poderia maximizar-se reduzindo salários ou demitindo
funcionários? A lógica de Nozick não resiste a uma observação empírica nesse
mister.
Outra
crítica que emerge do estudo do conceito de proteção pelo “estado mínimo” de
Nozick é que sua única dimensão redistributiva refere-se a produção de serviços
judiciários e policiais para os cidadãos. Esta seria a única atividade onde,
caso lançada ao mercado, uma competição traria efeitos devastadores. Sendo
assim, se admite o monopólio do uso da força pelo Estado, poder-se-ia supor que
outras atividades com as mesmas características pudessem também pertencer ao
governo, mas Nozick não admite tal possibilidade.
A
redução do estado social e econômico, nessa lógica enviesada pregada por Robert
Nozick, traz em contrapartida um “mais estado” policial e penitenciário,
através da criminação de condutas e da incriminação cada vez maior de
indivíduos, pela criminalização da miséria e pela imposição do trabalho
assalariado precário e sub-remunerado. Essas medidas tornam-se catastróficas em
países de pouca tradição democrática, onde seus efeitos tendem à vertente da
violência e do desrespeito aos direitos humanos.
Loïc
Wacquant
descreve a “febre neo-liberal” nos
EUA e em diversos países europeus, bem como a difusão de uma política pública
característica do “estado mínimo” : o
programa de “Tolerância Zero” da
cidade de New York. A propósito da redução do Estado Social e conseqüente
aumento do Estado Penal, diz:
“Pois
à atrofia deliberada do Estado Social corresponde a hipertrofia distópica do
Estado Penal: a miséria e a extinção de um têm como contrapartida direta e
necessária a grandeza e a prosperidade insolente do outro.” (p. 80)
Se
Nozick sugere que o próprio mercado solucione os problemas decorrentes dos
conflitos entre indivíduos ou grupos, através da competição, das associações
espontâneas, das pressões de mercado, da maximização do trabalho e do autointeresse racional, independentemente da ação estatal, cabe então
questionar: para que Estado ?
Entretanto
ao defender o “estado mínimo”, Nozick estabelece as fronteiras da ação estatal:
tais limites situam-se no que as pessoas podem ou não podem fazer umas às
outras; essa rede de proteção universal e não diferenciada, dirigida sem
distinção a todas as pessoas, inclusive
àquelas que não pagaram por ela é o que ele chama “estado mínimo”.
Ocorre
que, num regime de mercado, não interessa prestar um serviço, e diga-se de
passagem - um serviço caro, a quem não pode pagar; assim é imperioso que se
imponha o trabalho assalariado aos miseráveis, para que sejam “incluídos” na
rede de proteção e, através do monopólio do uso da força, criminalize-se a
miséria. São os princípios do “Éden Liberal” que se materializaram sob a batuta
de Rudolph Giuliani em New York.
Nada
mais lógico, uma vez que o “Tolerância
Zero” é o complemento policial indispensável do encarceramento em massa.
Acrescente-se um “tempero apimentado”
a essa receita: a privatização do sistema penitenciário, quando construir e
administrar prisões transforma-se em “business”.
Observe-se que no Brasil isso seria surreal, pois aqui prevalece o "Estado-Mamãe", aquele que sustenta quase um terço da população com o fruto do trabalho do restante. Chegará o dia em que a conta não fechará, como nas cadernetas dos donos de secos & molhados que vendiam fiado no início e metade do século XX. Se o número de clientes que fiam igualar o de fiadores o negócio convulsiona.
A
substituição do welfare state por um workfare state , a redução
do Estado Social a um Estado Penal (ou estado mínimo), a imposição do trabalho
assalariado precário e a criminalização da miséria são as observações que buscamos
evidenciar na presente crítica, concluindo (sem pretender esgotar o
assunto) essa análise sintética de “Anarquia, Estado e Utopia” de Robert
Nozick.