29 dezembro 2005

Este é o "Olho de Deus"!
Nesses nossos tempos nebulosos, onde homens pensam estar acima e além do Seu alcance, Êle que tudo vê estará aqui, vigilante, durante a nossa ausência.
Peço permissão aos ilustres visitantes e comentaristas para fazer um recesso, retornando no próximo ano, um Ano que desejamos seja realmente Novo. E será, pois cada um de nós se renovará, sacudindo a poeira e rompendo com tudo o que é velho e retrógrado, com o atraso que nos foi imposto, não só neste ano que se finda, mas também em muitos anteriores a ele.
O Novo Ano que se avizinha será o nosso marco, da nossa geração que viveu e assistiu esse triste espetáculo, mas que resolveu romper com tudo e deixar um legado bem mais promissor para as futuras gerações.
À todos os meus sinceros votos de Boas Festas e Feliz 2006!

27 dezembro 2005

ESTADO SOCIAL X ESTADO PENAL - O MITO DO ESTADO MÍNIMO

A redução do Estado social-econômico, aquele ente que exerce o papel do “grande provedor” de serviços para a população, como redistribuidor da renda através de políticas públicas abrangentes e inclusivas, é desprezado pelos neo-liberais a partir da formulação do conceito de “estado mínimo” , ou seja, menos Estado nas relações entre os indivíduos ou grupos.
No Estado neo-liberal o governo não interfere na produção de bens e serviços, cabendo tal atribuição ao mercado, a competição é estimulada e o controle estatal restringe-se a mediação, via regulação e vigilância, dessas relações entre os grupos ou entre indivíduos. Os serviços são concedidos ao mercado, este regula as inclusões e, obviamente, os “despossuídos” financeiramente estão excluídos da rede de proteção social. Essa é uma lógica maximizadora, fazer mais com menor custo, entretanto socialistas e comunistas repudiam essa lógica a partir de uma contradição contida nela mesma: como supor que todos possam maximizarem-se sem que haja utilidade de um bem produzido por um em relação ao produzido por outro? Como pode um empresário, digamos, um industrial, aumentar sua produção, suas vendas, sem a utilização de uma mão de obra qualificada, competente e bem remunerada? Será viável supor que ele poderia maximizar-se reduzindo salários ou demitindo funcionários? Assim sendo, para a “esquerda”, ela não resiste a uma observação empírica nesse mister.
Outra crítica que emerge do estudo do conceito de proteção pelo “estado mínimo” é que sua única dimensão redistributiva refere-se a produção de serviços judiciários e policiais para os cidadãos. Esta seria a única atividade onde, caso lançada ao mercado, uma competição traria efeitos devastadores. Sendo assim, admite-se o monopólio do uso da força pelo Estado; contudo poder-se-ia supor que outras atividades com as mesmas características pudessem também pertencer ao governo, mas seu criador, Robert Nozick, não admite tal possibilidade.
A redução do estado social e econômico, nessa lógica enviesada pregada por Robert Nozick, traz em contrapartida um “mais estado” policial e penitenciário, através da criminação de condutas e da incriminação cada vez maior de indivíduos, pela criminalização da miséria e pela imposição do trabalho assalariado precário e sub-remunerado. Essas medidas tornam-se catastróficas em países de pouca tradição democrática ou sem ela, onde seus efeitos tendem à vertente da violência e do desrespeito aos direitos humanos, podendo transformar-se em totalitarismo.
Loïc Wacquant
[1] descreve a “febre neo-liberal” nos EUA e em diversos países europeus, bem como a difusão de uma política pública característica do “estado mínimo” : o programa “Tolerância Zero” da cidade de New York. A propósito da redução do Estado Social e conseqüente aumento do Estado Penal, diz:

“Pois à atrofia deliberada do Estado Social corresponde a hipertrofia distópica do Estado Penal: a miséria e a extinção de um têm como contrapartida direta e necessária a grandeza e a prosperidade insolente do outro.” (p. 80)

Se Nozick sugere que o próprio mercado solucione os problemas decorrentes dos conflitos entre indivíduos ou grupos, através da competição, das associações espontâneas, das pressões de mercado, da maximização do trabalho e do auto-interesse racional, independentemente da ação estatal, cabe então questionar: para que Estado ?
Entretanto ao defender o “estado mínimo”, Nozick estabelece as fronteiras da ação estatal: tais limites situam-se no que as pessoas podem ou não podem fazer umas às outras; essa rede de proteção universal e não diferenciada, dirigida sem distinção a todas as pessoas, inclusive àquelas que não pagaram por ela é o que ele chama “estado mínimo”.
Ocorre que num regime de mercado não interessa prestar um serviço e, diga-se de passagem - um serviço caro, a quem não pode pagar; assim é imperioso que se imponha o trabalho assalariado aos miseráveis, para que sejam “incluídos” na rede de proteção e, através do monopólio do uso da força, criminalize-se a miséria. São os princípios do “Éden Liberal” que se materializaram sob a batuta de Rudolph Giuliani em New York.
Nada mais lógico, uma vez que o “Tolerância Zero” é o complemento policial indispensável do encarceramento em massa. Acrescente-se um “tempero apimentado” a essa receita: a privatização do sistema penitenciário, quando construir e administrar prisões se transforma em “business”.
A substituição do welfare state por um workfare state , a redução do Estado Social a um Estado Penal (ou Estado Mínimo), a imposição do trabalho assalariado precário e a criminalização da miséria são as críticas que estamos evidenciando ao abordarmos o presente tema, concluindo (sem pretender esgotar o assunto) uma análise sintética da obra “Anarquia, Estado e Utopia” de Robert Nozick.

[1] Wacquant, Loïc – As prisões da miséria, 2001